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Em Independência, a Quinta Lima aposta na fruticultura e apicultura, desenvolvendo atividades voltadas à diversificação de culturas.

Produção de alimentos e preservação ambiental

Chegando na Quinta Lima, localizada em Rincão Faccin, a cerca de 18 km da cidade de Independência, avistamos uma grande diversidade de árvores. Seu Jacob Fernandes de Lima mora aqui, juntamente com sua esposa, Adelaide de Lima, num lugar muito agradável de viver. Aposentados, os dois cultivam árvores frutíferas e dedicam-se à apicultura. O nome Quinta, como conta Jesildo Lima, filho de Jacob, é uma pequena propriedade rural. Esse nome é frequentemente utilizado em Portugal.

 

Ao entrar na propriedade, fui recebido com bastante paciência, típico dos moradores do campo. Logo Jacob me convidou para conhecer seus pomares. Caminhamos cerca de 200 metros para chegar no parreiral. Fazem oito anos que o trabalho com uva é desenvolvido nessa terra. Diferente de outros cultivadores de uva da região, aqui percebemos as parreiras mais baixas, o que possibilita a colheita da uva com menos dificuldade.

A placa escrito “Pomar Jal” indica onde fica a propriedade de Jacob Fernandes de Lima.

De acordo com os dados da Fundação de Economia e Estatística  (FEE), a produção de uva no município de Independência cresceu, embora a área cultivada tenha diminuído. Em 2011, foram colhidas 81 toneladas e em 2015, 86, enquanto a área colhida teve uma redução de 27 para 10 hectares. Já no Rio Grande do Sul, a uva é a fruta mais produzida, chegando a um patamar de mais de 876 mil toneladas em 2015.

Nos últimos cinco anos, como apontam os dados da FEE, houve uma diminuição da produção de bergamota (-15,8%) e de laranja (-9%) no estado. Já em Independência, a variação não aconteceu nas mesmas proporções, a bergamota teve crescimento em 8t e a laranja entre 263 e 270 toneladas no mesmo período.

Segundo a extensionista rural da Emater RS/Ascar de Independência Vera Cristina M. Waechter, o crescimento da produção superior ao da área colhida se deve aos avanços tecnológicos para otimizar a produção. Mesmo com esses avanços, as atividades voltadas à comercialização de frutas são prejudicadas. “Nós moramos em uma região que registra os maiores índices de uso de agroquímicos nas lavouras e isso afeta diretamente o cultivo de frutas. O que também se percebe é a diminuição da mão de obra no campo. Muitos vão para a cidade, os jovens que estão no campo não se interessam na área e isso faz com que a fruticultura seja desvalorizada”, destaca.

Para que se tenha uma boa produção de frutas, é importante a utilização de quebra-ventos. “A propriedade do Sr. Jacob possui um ambiente propício para o cultivo de frutas, há bastante vegetação nas proximidades, o que diminui a contaminação pelos agroquímicos utilizados nas lavouras da proximidade”, comenta Vera.

As árvores plantadas por Jacob servem de proteção aos ventos e agroquímicos.

A Emater dá orientações técnicas aos produtores não só em dias de campo, como rotineiramente. A entidade também atua junto ao Conselho de Desenvolvimento Rural de Independência (CONDRI), onde busca priorizar o atendimento aos produtores rurais que desenvolvem a fruticultura e a bovinocultura de leite, pois vê uma necessidade de desenvolver atividades mais ecológicas e de menor uso de agroquímicos. “A diversificação de culturas pode gerar uma alternativa de renda para as propriedades. Além disso, nós incentivamos a produção para autoconsumo, como uma horta para ter legumes, galinhas para ter ovos, porco para ter a carne e assim por diante”, frisa a extensionista.

Conforme a pesquisa do Programa de Gestão Rural da Emater-Ascar RS referente ao ano de 2016, a produção para autoconsumo gera uma economia de R$ 1.400,00 por família. Nessa conta entra tanto a produção vegetal, como mandioca, frutas e verduras, quanto a animal, como leite, ovos e carne.

Apesar de grande parte dos produtores de grãos, como a soja e o milho, possuírem frutas para o consumo, a produção delas nesta região é bem inferior em relação aos grãos.

A região Fronteira Noroeste possui grande produção de soja, milho e trigo. Os dados da FEE de 2015 apontam para uma produção de 486 mil toneladas de soja, 341 mil toneladas de milho e 125 mil toneladas de trigo. Em contrapartida, no mesmo ano, a produção de laranja foi de 9 mil toneladas, uva de 5 mil toneladas e apenas 3 mil toneladas de bergamota.

 

Ao se comparar a área colhida das três variedades de frutas, elas representam apenas 0,84% em relação à área da soja, milho e trigo na região no ano de 2015. Ao todo, os grãos cobriram 244.077ha e as frutas 2.062 hectares.

Com sua experiência no cultivo de frutas, Jacob transmite seu pensamento calmo e com bastante cuidado com a natureza. Muitas árvores foram plantadas ali, mesmo as não frutíferas. Ele faz enxertos nas mudas, poda, utiliza adubos e, em alguns casos, agroquímicos para combater formigas.

As laranjas são vendidas para a Prefeitura Municipal de Independência, através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). O PNAE determina que 30% do valor destinado à alimentação escolar deve ser investido na compra de produtos da agricultura familiar. Além das frutas, a horticultura também se enquadra ao PNAE.

 

As bergamotas são vendidas para o comércio local, como os caquis e as uvas. Outras frutas cultivadas, como pêssego e banana, são consumidas pelo casal e familiares. Todas as frutas são vendidas pelo preço de três reais o quilo.

Em visita à propriedade, seguindo por uma trilha com muitas árvores, avistamos um apiário. Em um canto, quatro caixas de abelhas, logo à frente, mais seis. Todas as recomendações de técnicos e agrônomos foram tomadas para que houvesse a realização deste trabalho. A caixa de madeira mais elevada do chão e com um latão de metal cortado ao meio, tem a função de se proteger da chuva e dos ventos.

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Produção de frutas numa região dedicada aos grãos

O cultivo de autoconsumo é presente na propriedade de Seu Jacob.

Produção de mel, proteção das abelhas

Latões em cima das caixas protegem a colmeia da chuva.

Após Jacob começar a utilizar esses latões, outros apicultores do município também passaram a utilizar essa técnica. A Associação Municipal dos Apicultores de Independência (AMAI) havia feito as recomendações referentes às telhas, mas quando viram esses latões, passaram a recomendar a utilização deles. A AMAI encerrou suas atividades em fevereiro de 2016, pois não havia mais a mesma demanda da atividade de apicultura no município.

Algumas caixas estão na ladeira, em meio às árvores, inclinadas para o norte, não muito abaixo. “Essas estão assim porque a abelha sobe a ladeira vazia e, quando retorna, carregada com o néctar das flores, ela desce com mais facilidade”, explica Jacob. A abelha retira néctar e realiza a polinização de várias flores das árvores dali. Eucalipto, louro, canela de veado, unha de gato, ameixa do inverno. Mas o melhor mel é o da laranjeira, como conta Jacob.

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É muito melhor colocar um latão desses, porque a água da chuva cai e vai para os lados, e se eu colocasse uma telha de fibrocimento (Brazilit), ela cairia com qualquer vento

As colmeias estão posicionadas conforme orientações de agrônomos.

Continuamos pela trilha, chegando ao pomar, onde existem pés de laranja, bergamota, uvaia, guabiju e caqui. Ainda se vê bastantes laranjas nos pés. Todas as carreiras das árvores têm uma trilha para passar com o trator, para fazer trabalhos de cultivo e colheita das frutas.

As parreiras têm 3 metros de distância entre uma linha e outra.

Saindo daquele pomar, caminhamos por uma trilha, indo para outro pomar próximo à casa de Jacob. Há mais pés de bergamota! No começo da trilha, vemos mudinhas de caqui e pêssego, mas as bergamoteiras são predominantes, algumas carregadas, mas porque muitas não foram vendidas.

Quase todas as mudas possuem um método de proteção contra formigas. O pezinho dentro de uma taquara fincada no chão, com a parte de cima de um litro de garrafa PET. “Tendo essa PET, a formiga sobe pela taquara até dar com o canto entre a taquara e a PET. Como é muito pequeno o ângulo, a formiga não consegue fazer a volta e chegar na muda”, explica Jacob.

Mudas de caquis são protegidas contra formigas.

Esse ano, as bergamotas não têm muito suco pois a geada não permitiu o melhor desenvolvimento. Cada árvore - são muitas - produz cerca de 100 kg de frutas, já cada caquizeiros produz, em média, 300 kg.

Ao fim desse pomar avistam-se bananeiras. “Quando eu comprei essas terras para morar (em 1977), eram cheias de bananeiras nessa ladeira. Então nós fizemos o deslocamento delas para perto do mato e plantamos outras variedades de árvores aqui”, explica.

Jacob, sendo um dos poucos apicultores de Independência, fala que existe uma dificuldade de manter as abelhas. A atividade que desenvolve em sua propriedade contava com 150 caixas, mas, com a comercialização e uso de agroquímicos para combate à ferrugem asiática (praga que atinge a soja), que começou há cerca de seis anos, mais da metade das abelhas morreram. Hoje, Jacob reclama da falta de colaboração dos produtores de soja: “o povo quer que existam bastante abelhas, mas quando chega a época da floração da soja, todos passam veneno, a abelha chega na flor e acaba morrendo”, desabafa.

 

Outro problema na Quinta Lima são os ladrões de mudas. O sítio já teve mudas de parreiras, caquis, pêssegos e bergamotas furtadas. Jacob conta que não ficaria bravo se os ladrões viessem e pedissem frutas, ele daria a eles.

 

Retornamos à sua casa. Sentamos na varanda e Seu Jacob logo traz um suco de bergamota, produzido por ele mesmo. “Nós fazemos esses sucos concentrados para vender e para tomar. Tem gente que mistura açúcar e água, mas eu gosto do suco puro mesmo, direto da fruta”.

 

Conversamos mais um pouco sobre as abelhas e ele convida para irmos até os fundos de sua casa, ver algumas caixas de abelhas que estão desmontadas. Ele mostra os favos e vai apontando para como a organização da colmeia acontece.

Os favos da esquerda são novos e os da direita já processados, após a coleta do mel.

A rainha fica no meio da caixa, onde os favos do centro são destinados a ela, à produção de geleia real (alimento da rainha) e para ela desovar nos alvéolos. Cada colmeia pode abrigar cerca de 60 mil abelhas, sendo que uma operária vive em torno de 28 dias. A rainha vive mais, de três a cinco anos, já o zangão, em torno de 60 dias. Fiquei impressionado quando Jacob contou que as operárias matam a rainha se ela chega a cinco anos, por estar muito velha. Quando uma colmeia fica sem rainha, as larvas são alimentadas com geleia real e uma nova rainha nasce. Para montar uma nova caixa, a rainha é retirada da caixa e colocada em uma vazia, com favos de cera novos. A caixa que fica sem rainha “cria” uma nova.

No inverno, não há produção de mel. As abelhas ficam reclusas na colmeia, não havendo a colheita. Algumas vezes, elas precisam ser alimentadas com açúcar, para a sua sobrevivência. Em janeiro, como Jacob brinca, elas entram em férias. Sendo assim, o mel pode ser coletado na primavera e entre março e maio. O lado bom é que o mel é um alimento que não estraga, desde que ele não seja contaminado.

No infográfico abaixo, explicamos o passo a passo da produção do mel:

Na Quinta Lima, onde as atividades são apicultura e fruticultura, o mel é armazenado em uma sala, juntamente com as compotas de pêssego, garrafas de sucos concentrados e potes de chimias de frutas, que eles produzem na propriedade.

A produção de mel vem reduzindo ao longo dos anos. Os dados da FEE indicam uma diminuição de 994 toneladas no Rio Grande do Sul entre 2011 e 2014, enquanto Independência registra um crescimento de 6 toneladas no mesmo período.

A fruticultura aliada à apicultura tornam-se atividades de potencial ambiental muito favorável à natureza. A bióloga mestre em diversidade e manejo da vida silvestre Noemi de Araújo Bauer avalia que a produção de frutas e mel, além de ótima aliada, já que as abelhas polinizam as árvores que dão frutos, apresenta praticamente só impactos positivos para a produção de alimentos e para a sociedade. Quando se produz frutas, se procura preservar o meio ambiente, já que o uso de agrotóxicos, por exemplo, mata os insetos polinizadores e, por consequência, prejudica a produção de frutas.

Dê o play e confira a entrevista com ela:

Na Quinta Lima, Jacob e Adelaide protegem abelhas e árvores, produzem mel e frutas, preservam o ambiente e, exatamente por isso, dependem das abelhas e das árvores para seu sustento, para sua sobrevivência. Como em várias outras propriedades da agricultura familiar, produzem alimento e os frutos de sua produção alimentam a comunidade. De acordo com Noemi, cerca de 70% da produção de alimentos no mundo vem de pequenos agricultores e a produção a partir dos pequenos “quase tem não impactos negativos ao ambiente e à sociedade”, avalia.

Entrevista com a Bióloga Noemi de Araújo - Produzido por Natan
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Reportagem e imagens: Natan Torzeschi
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