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Viver da produção de gado leiteiro é uma tarefa que exige muita força e vontade. Porém, só isso não é suficiente. Hoje, os produtores enfrentam muita dificuldade em seguir no setor por falta de valorização comercial.

Atividade Leiteira:

Da produção em alta à valorização em baixa

“Eu vou seguir, até conseguir aguentar. Porque uma hora ou outra tem que melhorar. Sem nós, não tem alimento.” Este é o desabafo do jovem KaueSchorer, de 19 anos. Ele e a família moram em Coronel Barros e trabalham com a atividade leiteira. Atualmente, ordenham 60 vacas, que produzem, em média, 1.400 litros diários, vendidos para a empresa Italac. Só nos últimos meses, o preço do litro do leite teve queda de 30 centavos para a família Schorer, que já recebeu 2 reais pelo litro, e hoje se encontra no patamar de R$1,20. O jovem, indignado com o valor pago pelo produto, afirma que a situação é de falta de consideração com os agricultores. Apesar disso, ele ainda tem esperança no setor e pretende seguir na produção que faz parte da renda da família há anos.

­­O Brasil é o quarto maior produtor de leite do mundo, e nesta cadeia produtiva apresenta números que mostram a força do setor na sociedade.

Uma das preocupações quanto ao setor é a continuidade da atividade. Foto: Juliana Andretta

Apesar da grande produção brasileira, há um fator que preocupa os produtores: a baixa no preço do litro do leite. Segundo a Scot Consultoria, empresa responsável por captar, analisar e divulgar dados sobre o agronegócio, neste ano, o valor do produto vem baixando desde junho, o que se refletiu nos três meses seguintes.

 

Existem dois fatores mercadológicos que são decisivos para a redução do preço do leite: a importação do Uruguai e o baixo consumo interno.

Importação dos países vizinhos

O Estado gaúcho é a segunda maior bacia leiteira do país, representando 13% da produção nacional, ficando atrás apenas de Minas Gerais, segundo dados da Emater, apresentados em junho deste ano no Fórum Itinerante do Leite, realizado em Palmeiras das Missões.

Para Kaliton Prestes, engenheiro agrônomo e atuante no departamento de política agrícola da Fetag- Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul-, apesar de o Brasil ter produção leiteira interna suficiente para abastecer o mercado nacional, os países vizinhos continuam como opção de importação por questões estratégicas de mercado. “O país tem produção suficiente para atender à demanda nacional, e, em especial, o Rio Grande do Sul exporta 60% do leite que produz para outros estados da Federação.

Contudo, a importação de leite é uma opção, visto que este é um produto primário com baixo valor agregado, ao passo que, para equilibrar a balança comercial, o Brasil exporta para os países do Mercosul produtos manufaturados com alto valor agregado (batedeira, geladeira, etc.), o que se torna positivo para a economia nacional e para a indústria, mas extremamente negativo para a cadeia leiteira.”

 Segundo Elisete Hintz, tesoureira geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul-Fetag-  o leite importado do Uruguai e da Argentina tem custos de produção mais baixos do que o produzido no Brasil e entra em nosso território com incentivo fiscal­.

Só neste ano, 86% da produção total de leite em pó desnatado do Uruguai e 72% do leite integral do país vizinho tiveram como destino o Brasil, sendo um total de 41.811 mil toneladas, de acordo com a Organização das Cooperativas Brasileiras (CBO). Durante os últimos 3 meses, representantes do governo do estado, dos produtores de gado de leite e de entidades de incentivo à produção leiteira se reuniram para pedir o estabelecimento de cota para a importação do leite do Uruguai, assim como já foi estabelecido para a Argentina. Porém, a decisão de suspender a importação da produção uruguai só foi determinada no dia dez de outubro, pelo ministro da Agricultura Blairo Maggi, em reunião com representantes da Frente Parlamentar Agropecuária -FPA. Além disso, foi solicitado ao Governo Federal a compra de 50 mil toneladas de leite em pó e 400 mil litros do leite UHT produzidos no estado gaúcho.  

A grande quantidade de leite vinda de outros países colaborou para a queda de, em média, 30 centavos por litro. Foto: Juliana Andretta

Para João Cesar Resende, pesquisador da Embrapa Gado de Leite de Minas Gerais, a entrada de leite de outros países por preços menoresdesanima os produtores locais, que, em último caso, desistem da produção. “Desestimula o nosso produtor a continuar no ramo, pois é uma atividade que exige muito sacrifício dos proprietários e que possui margens de lucro baixas, asvezes, inexistentes", afirma o pesquisador.

 Para o engenheiro agrônomo Kaliton Prestes, os altos investimentos feitos para atender às exigências das normativas em relação à qualidade, precisam retornar uma renda satisfatória aos produtores, como forma de motivar a permanência no setor. Porém, a entrada de leite com baixo custo torna inviável a produção nacional, reduzindo o preço pago ao produtor. “Para o produtor, a baixa do preço do leite reduz a renda das famílias e muitas vezes, inviabiliza a atividade. Para o varejo, a queda no preço acaba por refletir em diversas promoções de produtos lácteos, mas principalmente o leite fluído UHT (produto que recebe tratamento térmico para diminuir a quantidade de bactérias)”, explica Kaliton.

O baixo consumo interno

Um segundo fator determinante para a queda do preço do leite é o baixo consumo do produto in natura e de seus derivados. Esta realidade é decorrente da situação econômica negativa pela qual transita a população. Desemprego, aumento da inflação e baixo poder de compra levam os consumidores a economizarem na hora da compra, dispensando da lista do supermercado alguns produtos, como o leite. Para o pesquisador João Resende da Embrapa, “vendendo pouco, os supermercados reduziram os preços no varejo, pressionando também a indústria e os produtores a fazerem o mesmo”.

Em 2016, a estimativa da procura por queijos e iogurtes era de recuo de 4% em relação ao ano de 2015, que teve uma média de consumo de 170 litros por habitante no ano (incluindo leite e derivados), de acordo a Rabobank, multinacional holandesa bancária e de serviços financeiros. O indicado pela Organização Mundial da Saúde-OMS- é de 220 litros anualmente.

Enquanto em países como a França o consumo é de 25 quilos de queijo por ano, e no país vizinho argentino em torno de 11 quilos, no Brasil o consumo é apenas de pouco mais de 6 quilos, segundo dados da Mintel, fornecedora global de pesquisa de mercado.

Preço do leito X número de produtores

O baixo valor pago ao produtor pelo preço do leite, os altos custos de produção e a desvalorização por parte do mercado consumidor são fatores que desanimam quem trabalha com a produção leiteira.

Muitas vezes, a renda obtida da venda do leite não é suficiente para pagar os custos. Foto: Juliana Andretta

Segundo dados do Relatório Socioeconômico da Cadeia Produtiva do Leite no Rio Grande do Sul, realizado pela Emater, nos dois últimos anos, houve uma redução de, aproximadamente, 19 milfamílias no número de produtores de leite, o que representa 22,5% do total em comparação a anos anteriores. Além disso, houve queda de 3% no rebanho do estado, representando um total de 47 mil vacas a menos em 2016, em comparação a 2015. Apesar disso, a produtividade no estado em 2017 teve aumento de 2% no primeiro semestre, comparando com o mesmo período de 2016.

O engenheiro agrônomo João Cesar explica possibilidades que ajudam a entender este fator: “Mesmo com a saída de produtores e queda na quantidade de vacas ordenhadas, a produção de leite no estado apresentou recuperação de 2016 para 2017, indicando que houve concentração da produção nos maiores produtores, compensando a produção perdida pela saída dos pequenos. Outro ponto que podemos pensar é que as vacas abatidas ou vendidas foram aquelas menos produtivas dos rebanhos. Os produtores se desfizeram de vacas piores e concentraram o manejo alimentar e sanitário nas vacas melhores, com certeza uma decisão gerencial acertada. Os produtores que ficaram passaram a produzir mais leite com menos vacas e provavelmente com mais rentabilidade”.

Além do baixo valor agregado ao produto e a redução do consumo por parte da população, os altos custos de produção são outro fator determinante para a desistência da atividade. Para João Cesar, os produtores que pretendem manter-secompetitivos no mercado, com produto de qualidade, precisam investir. Porém, nem todos os produtores possuem condição financeira para se adaptar às exigências estabelecidas pelas normativas e pelas empresas de comercialização.

A tecnologia existente hoje, tanto no setor de máquinas, quanto para alimentação e higiene, permite que a produtividade seja maior e melhor, como destaca João Cesar. “Os produtores de leite hoje contam com muitas novas tecnologias para aumentar o seu poder de competição no ramo que trabalham. Temos variedades de forrageiras muito mais produtivas, técnicas de manejo de pastagens com capacidade de melhorar em dez ou mais vezes a produtividade da terra, animais com genética melhor e com potencial de produção muitas vezes maior do que há vinte anos atrás e muitas possibilidades e mecanização para reduzir a dependência das fazendas por mão de obra. Surgiram também medicamentos mais eficientes e mais baratos para controlar as diversas enfermidades do rebanho e técnicas mais modernas de reprodução, tornando os animais muito mais eficientes”.

Desistir ou seguir? Eis a questão !

Tema de debates em feiras e fóruns, a temática “produção leiteira” vem se tornando frequente e preocupante. É notável que o número de produtores que optam por não trabalhar no setor leiteiro vem diminuindo, o que reflete mudanças na cadeia produtiva. Ainda se estima que a produção de leite é uma boa alternativa de negócio e de fonte de lucro, entretanto o setor carece de atenção, especialmente no incentivo à produção e valorização mercadológica e econômica do produto. “O que precisamos é produzir com custos mais baixos para que a importação de leite de outros países se torne desvantajosa. Logicamente, o governo precisa ficar atento para que não haja deslealdade nestas transações, o que pode favorecer produtores de leite de outros países em prejuízo dos nossos. A questão é a seguinte: se formos eficientes teremos condições de produzir com qualidade e baixo custo. Ou seja, não teremos problema com leite de outros países. Precisamos manter a meta de nos tornamos exportadores de leite. Temos condições para isto”, afirma João Cesar, da Embrapa.

Outro fator que colabora para que os produtores de leite sigam e melhorem sua produção é o auxílio dos profissionais especializados, como técnicos agropecuários, veterinários e agrônomos. Para o pesquisador da Embrapa, “os produtores de leite precisam se aproximar e ouvir destes profissionais como utilizar as tecnologias que podem, em muito, reduzir os custos de produção, aumentar a produção e melhorar a qualidade do leite e a lucratividade das fazendas. É bom lembrar que estes técnicos estão à disposição dos produtores de leite nas cooperativas, nas empresas de assistência técnica públicas e privadas, nos departamentos técnicos das indústrias compradoras do leite e das maiores empresas vendedoras de insumos e até mesmo nas universidades ou na Embrapa.”

Segundo Herton Vivaldino de Souza de Lima, supervisor regional das missões do Senar- Serviço Nacional de Aprendizagem Rural- um fator fundamental para o bom andamento da atividade leiteira é a gestão da propriedade, assim como para qualquer outra atividade rural, para que haja o equilíbrio na produção e nas finanças. Além disso, o auxílio técnico também é importante, para analisar o melhor para cada propriedade.  Souza Lima salienta que “Somente a assistência técnica competente, comprometida e profissional é que pode determinar o sistema de produção ideal para cada realidade individual.”

Permanecer na atividade leiteira requer dedicação e vontade. Foto: Juliana Andretta

Outro fator que preocupa é a sucessão familiar. Muitos jovens não dão continuidade à produção em que seus pais trabalhavam, ou mudam da atividade leiteira para outra, ou abandonam o setor rural. Por isso, Herton defende que os jovens “devem estar inseridos diretamente na atividade leiteira dentro da propriedade e terem a percepção clara de que a mesma é rentável. A sucessão familiar talvez seja o maior desafio que o setor leite possua para a sua permanência no futuro”.

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Reportagem e imagens: Juliana Andretta
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