Agricultoras de Humaitá descobrem o poder medicinal de plantas
Plantas que curam: dos poderes às contraindicações
Muita gente não sabe, mas existem plantas em seus jardins e hortas que são autênticas farmácias naturais. Trata-se de espécies dotadas de funções medicinais, que podem ser usadas, por exemplo, para males como ansiedade, inflamações, infecções, dores de cabeça ou problemas de intestino.
Uma pesquisa realizada por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, encomendada pelo Ministério do Meio Ambiente, em 2016, revela que o Brasil possui a maior flora do planeta, com mais de 46 mil espécies de plantas. A boa notícia para os adeptos das plantas medicinais é que, dessas, 10 mil têm algum potencial terapêutico.
Quem abona o poder medicinal das plantas é dona Elly Christoff, de 81 anos, residente na localidade de Lajeado Curvo, interior de Humaitá. Quando o sono não vem, a aposentada vai até o quintal de casa colher um punhado de erva cidreira. Segundo ela, a mãe sempre dava um chazinho para acalmar os filhos de noite.
Fazia chá para a gente dormir feito um anjinho. Tomei e tomo, é coisa muito boa! E no interior sempre usam bastante
- Elly Christoff
Eu acredito no poder das plantas. Se não funcionasse, não usaria há tantos anos. Já dei um fim em muito problema de saúde, desde uma pequena dor de cabeça até problemas bem graves, utilizando plantas que todo mundo tem em casa, na horta, no jardim
- Elly Christoff
A idosa possui uma farmácia natural em casa. “Muita gente até me procura pedindo orientações, dicas para tratar esse ou aquele problema”. Em sua moradia, a idosa também tem livros, fonte de seus estudos e aprendizados sobre as plantas medicinais. “Para problemas estomacais, é usado o chá de pitanga, pode ser bebido até três vezes ao dia”, sugere Ely enquanto folheia um dos livros.
A aposentada também dá uma dica para evitar enjoos e tonturas durante viagens. “É muito simples e eficaz. Quando vou viajar, sempre carrego comigo chá de macela numa garrafinha de 600ml, uns 15 minutos antes da viagem já tomo alguns goles, e vou tomando durante o trajeto, além de evitar enjoos, mantém o corpo hidratado”.
Macela
Indicação: digestivo, antidiarreico, para cólicas e diminuir a pressão.
Forma de uso: chá com de 1,5 colher de sobremesa em 300 mililitros de água, três vezes ao dia.
Para a agricultora Maria Nilda Krüger, de 60 anos, as plantas medicinais também são um santo remédio. Ela conta que sente dores nos joelhos e usa uma pomada para tratar do problema. “Na pomada tem banha de porco, andiroba, casca de laranja e folhas de hortelã. É para massagem, dor muscular, artrite, artrose, bursite, reumatismo, dor nas costas. Tomo para cuidar dos joelhos e já vou evitando um monte de outras coisas”, revela. E depois de usar a pomada cheia de ingredientes medicinais, Maria Nilda garante o resultado. “Eu me sinto uma mocinha, pronta para correr numa maratona. Essa pomada é tiro e queda”, acrescenta.
Segundo o mais recente relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) finalizado em 2016, 80% da população de países em desenvolvimento utiliza práticas de medicina tradicional (alternativa ou complementar) na atenção primária à saúde e, desse total, 85% faz uso de plantas medicinais. No Brasil, pelo tamanho e pela diversidade biológica do País, há diferenças regionais no uso das plantas.
O uso de plantas para tratar doenças é tão antigo quanto a história da humanidade, e como qualquer remédio, as plantas são indicadas para tratar determinadas doenças, mas ao mesmo tempo podem também ser contraindicadas para outras, principalmente se seu uso for de forma errada. Quem faz o alerta é a bióloga Maria Thereza Gamberini, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em entrevista para a Revista Saúde. “Elas carregam substâncias que podem tratar uma série de problemas. Porém, se usadas de maneira errada, causam, sim, reações adversas. Por isso, é importante consultar algum técnico da saúde para esclarecimentos antes de fazer o uso”, chama a atenção.
Dona Elly estuda e utiliza plantas com poder medicinal há mais de 30 anos. Os estudos começaram em 1987, quando foi criado em Humaitá o Movimento de Mulheres Camponeses (MMC), no Sindicato dos Trabalhadores Rurais. O movimento existe em todo o país.
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Reportagem: Dieison Engroff
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Movimento de Mulheres Camponesas em Humaitá
Elly e Nilda, juntamente com outras mulheres, se reúnem mensalmente no Sindicato dos Trabalhadores Rurais para encontros do Movimento de Mulheres Camponesas, o qual dona Ely acompanhou sua fundação no município. “Os encontros acontecem sempre na primeira terça-feira do mês. Ao todo, somos em 15 mulheres”, relata dona Elly.
Foi num desses encontros em que Maria Nilda descobriu que o chá de pata de vaca reduz a glicemia e auxilia nos problemas do coração. “Meu marido tem problema cardíaco, hoje não deixo faltar esse chá em casa, mando ele tomar direto”.
Nas reuniões mensais, as participantes estudam sobre o poder medicinal de plantas comuns no dia a dia, preparando receitas caseiras para o consumo. “O nosso objetivo é a saúde, a qualidade de vida. São ensinamentos que passam de geração em geração, e que precisam continuar”, comenta Maria Nilda.
No Sindicato dos Trabalhadores Rurais há um horto, de onde as integrantes do movimento também extraem as plantas para a produção dos produtos. “Cada uma de nós também cultiva na hora de casa muitas plantas que depois são usadas nas receitas”, explica Nilda.
Para Elly, a solução para muitos males está na natureza. “Com certeza, o tratamento para muitos problemas às vezes está diante dos nossos olhos, só que as pessoas não sabem, não conhecem ainda o poder que aquela planta tem”, afirma.
O Movimento de Mulheres Camponesas surgiu aqui no Brasil em 1983 com o nome de Movimento de Mulheres Agricultoras (MMA). Segundo informações do site do movimento, a organização inicial do MMA, formado por trabalhadoras rurais de Santa Catarina, aconteceu em meio a um cenário desfavorável ao desenvolvimento e manutenção da agricultura familiar na região oeste catarinense.
Naquele momento, o processo de modernização da agricultura se acentuava, favorecendo os grandes proprietários agrícolas e excluindo os pequenos agricultores do processo de produção. Como consequência, teve início um crescente êxodo em direção às cidades, acompanhado de um crescente empobrecimento da população rural.
Em 2004, o movimento foi renomeado como Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), nome que é adotado até hoje.
Dicas de chás
Com um olho no frasco do remédio caseiro e o outro no travesseiro, dona Elly deu um chega pra lá na insônia através do uso de chás. Foto: Dieison Engroff
Maria Nilda descobriu a solução de um antigo grande problema: as suas dores nos joelhosFoto: Dieison Engroff
Foto: Pixabay
Foto: Ahmad Fuad Morad
Capim-cidró – capim-cidreira, capim-limão e capim-santo
Indicação: cólicas, sedativo leve, digestivo, calmante, para tosse, antifebril e diminui a pressão.
Forma de uso: chá com 1,5 colher de sobremesa para 150 mililitros de água, três vezes
ao dia.
Cuidados: pode potencializar efeito de medicamentos sedativos. Evitar uso em casos
de pressão baixa.
Guaco
Indicação: Cicatrizante de úlceras, feridas, tratamento de varizes, emoliente em eczemas
e coceiras.
Forma de uso: Para acalmar o peito, despeje 1 xícara de chá de água fervente sobre uma colher de sopa de folhas picadas. Abafe por 10 minutos e coe. Tome duas vezes por dia.
Cuidados: Não deve ser usado por mulheres com menstruação abundante porque aumenta o fluxo. Doses elevadas podem causar diarreias, mal-estar e vômitos.
Foto: Tua saúde
Você conhece a diferença entre planta medicinal
e fitoterápico?
A planta medicinal é aquela comprovadamente capaz de curar doenças ou aliviar sintomas e que soma longa tradição de uso como medicamento em uma população ou comunidade. Segundo com a legislação brasileira (Lei 5991/73), plantas medicinais podem ser vendidas só em farmácias ou herbanários. Nesses estabelecimentos, devem estar corretamente embaladas e com o seu nome científico no rótulo. A embalagem de uma planta medicinal não pode apresentar indicações para uso terapêutico.
Já o fitoterápico é o medicamento que tem a planta medicinal como materia-prima. É obtido usando derivados extraídos da planta (extrato, tintura, óleo, cera, suco, entre outros) que são industrializados. Esse processo evita contaminações por agrotóxicos e substâncias estranhas, garantindo a qualidade e a eficácia do uso. Todo medicamento fitoterápico deve ser produzido em laboratório autorizado e obter registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) antes de ser comercializado. Não são considerados fitoterápicos: chás, partes ou pó de plantas medicinais, homeopatia, florais, medicamentos manipulados, e própolis. (Fonte: Guia de Plantas Medicinais do iG São Paulo)
Planta e fitoterápico: para virar remédio, ervas precisam passar por controle rigoroso. Imagem: Getty Images